Muhammad Yunus, Bangladesh. ÍNDIA, 72 ANOS. O MICROCRÉDITO
É O SUCESSO EM GERAR RIQUEZA EM TODAS AS CAMADAS SOCIAIS NO FUTURO!
Microcrédito é para
ajudar pessoas, não explorá-las’.
Muhammad Yunus, Bangladesh. ÍNDIA, 72 ANOS. |
Muhammad Yunus
virou celebridade internacional com o esquema que, pra ele, agora é página
virada. O economista, cidadão de Bangladesh, ganhou o Prêmio Nobel da Paz em
2006 com o seu empenho em dar microcréditos aos muito necessitados. A ideia
acabou sendo abraçada até por grandes bancos internacionais e virou fonte de
lucros para instituições financeiras também nos países emergentes. E lucro, vem
dizendo Yunus, não estava na cabeça dele. Ele afirma que dar crédito aos muito
pobres e ganhar dinheiro com isso é fazer o mesmo que qualquer agiota. Não foi
a única decepção sofrida recentemente por Yunus, que vai completar 73 anos de
idade. Ele enfrentou graves dificuldades em seus pais natais, Bangladesh, ao
tentar formar um partido político. Yunus tentou então mudar o foco. Fala agora
em negócio social, em fundar empresas voltadas para resolver problemas,
empresas que cobrem seus custos, mas não visam exclusivamente o lucro. Em nome,
como ele gosta de dizer, de um direito humano, o de que todo indivíduo merece
uma oportunidade.
William Waack —
Muito tempo depois de ter se tornado uma celebridade mundial promovendo
microcrédito, isso agora é página virada. Por quê
Muhammad Yunus —
Microcrédito é algo que funciona bem globalmente e é um processo contínuo.
Junto com o microcrédito, começamos outros projetos. As pessoas não sabem
disso. Agora elas estão descobrindo o que fizemos etc. Quando fiz um discurso
ao receber o Prêmio Nobel da Paz, em 2006, foi algo que mencionei os negócios
sociais. As pessoas ficaram muito interessadas no assunto. Começaram a aprender
mais. Escrevi livros para explicar o que são negócios sociais. Agora muitas
universidades ensinam sobre negócios sociais. Faculdades de administração estão
envolvidas, criando cadeiras para os negócios sociais e centros para negócios
sociais. E essa é a razão para eu estar no Brasil dessa vez. Estou em São Paulo
para lançar o Centro de Negócios Sociais da ESPM (Escola Superior de Propaganda
e Marketing).
William Waack —
Esse é o ponto que quero falar. Lembro-me de discussões para microcrédito em
algumas das suas entrevistas, acho que há dois ou três anos. O senhor estava
muito chateado porque pessoas inteligentes estavam ganhando muito dinheiro com
o microcrédito. Na época o senhor disse “não quero estar do lado de vocês,
quero lutar contra vocês”. Negócios sociais é um tipo de atividade onde ganhar
dinheiro é malvisto
Muhammad Yunus —
Você mencionou corretamente. Existem muitas pessoas no microcrédito que querem
ganhar dinheiro usando os pobres, e somos contra isso. Dissemos que sempre
trabalhamos contra os agiotas, que extraem dinheiro e exploram os mais pobres.
Microcrédito é para ajudar pessoas, dando oportunidade de ganharem salários em
vez de serem exploradas pelos outros. Microcrédito é claramente definido como
algo parecido com negócios sociais. É uma companhia sem dividendos para
solucionar problemas das pessoas.
William Waack — Eu
não sei se o senhor está entrando num nível muito complicado filosófico, ética
e moralmente. Lembro-me que, quando ganhou o Nobel, o senhor foi elogiado
porque tinha mostrado ao mundo que precisava de todo aquele dinheiro para tirar
as pessoas da pobreza. Alguns dos seus críticos disseram na época “qual é o
problema de ganhar dinheiro fazendo isso? Se estou ajudando a tirar as pessoas
da pobreza, ética e moralmente o que eu faço é algo bom. Se estou ganhando
dinheiro, o que tem de errado?” Como você responde isso?
Muhammad Yunus —
Agiotas ganham dinheiro. Eles estão em toda a parte. Estão em São Paulo, em
Nova York, em todas as cidades dos EUA. Eles se consideram credores, mas os
juros são de 500%, 1.000%, 2.000%. Eles vão ganhar o mesmo dinheiro.
William Waack —
10% ao dia, muitas vezes.
Muhammad Yunus — O
raciocínio é sempre o mesmo: são 10% ao dia, 4.000% por ano. O raciocínio é o
mesmo: estou ajudando. Mas não estão ajudando. Estão explorando. Minha opinião
é que quando as pessoas são pobres, nosso papel é ajudar a tirá-las da pobreza,
não ganhar dinheiro com elas. Então espere até elas saírem da pobreza. Quando
isso acontecer, vá em frente, ganhe dinheiro com elas, sem problemas. Mas
espere, tenha paciência para dar um pouco de tempo para, a cada dólar que
ganhar, dê o dinheiro para eles. Deixe que eles guardem o dólar para que saiam
da pobreza mais rápida.
William Waack —
Deixe-me então voltar a sua ideia de que negócios sociais podem cobrir seus
próprios custos. De que forma?
Muhammad Yunus —
Você pode criar um negócio da mesma maneira que criamos um empreendimento em
conjunto, com grandes companhias também. Com um empreendimento em conjunto,
criamos uma companhia com a Danone.
William Waack —
Para produzir iogurte em Bangladesh.
Muhammad Yunus —
Para produzir um iogurte especial, que resolve o problema de subnutrição entre
as crianças de Bangladesh. Quase metades das crianças de Bangladesh são
subnutridas. Então colocamos micronutrientes que faltam a essas crianças.
William Waack — O
que chamamos de iogurte fortificado.
Muhammad Yunus —
Isso, o iogurte fortificado. Quando a criança come, a saúde melhora. Fazemos o
iogurte ser barato, disponível. Isso ajuda as crianças a saírem da subnutrição.
Você então cria a empresa não para ganhar dinheiro do negócio. Empresas como a
Danone e a Grameen estão investindo...
William Waack — Eles
não têm um grande lucro.
Muhammad Yunus —
Eles não têm lucro nenhum. Zero lucro.
William Waack — É
só para cobrir os custos.
Muhammad Yunus — A
empresa tem lucro. Os donos não levam esse lucro. Então, você não está lá para
ter um lucro individual. Você cobre os custos e um pouco mais para que as
pessoas continuem a expandir. Essa é a ideia de uns negócios social.
William Waack — É
essa ideia por trás do seu empreendimento em conjunto no setor de
telecomunicações em Bangladesh, também?
Muhammad Yunus —
Não, o setor de telecomunicações não foi assim. Não foi criado para ser um
negócio social. Era uma empresa com fins lucrativos, porque não somos os donos
majoritários dessa empresa. O dono majoritário é a Telenor da Noruega. Eles têm
55% das ações. Eles querem dinheiro e não podemos mudar isso. Então essa é uma
empresa com fins lucrativos. Mas os que fizemos com a Danone foram
especialmente desenhados para ser um negócio social. Temos um empreendimento
com a Veolia, uma companhia de água da França. Criamos uma pequena companhia de
água num vilarejo de Bangladesh, porque água é um grande problema. Nossa água
ou é poluída ou é contaminada por arsênico. Criamos uma empresa para trazer
água limpa e potável para os vilarejos. Eles vendem essa água a um preço muito
baixo.
William Waack —
Quem está investindo?
Muhammad Yunus —
Veolia investiu. Grameen também investiu do mesmo jeito que a Danone fez.
Fizemos porque queremos ajudar as pessoas a terem água potável, não para termos
lucro. A empresa tem que ser sustentável para cobrir todos os custos, mas os
investidores não estão esperando lucrar com a empresa. Isso é o que chamamos de
negócios sociais, é uma empresa sem dividendos. Os investidores podem retirar o
dinheiro investido. Se eu colocar US$ 1 milhão, vou poder retirar a mesma
quantia. E nenhum centavo a mais.
William Waack —
Então, eles não são doadores?
Muhammad Yunus —
Eles não são doadores. Imagine que eu crie essa empresa de águas pegando
dinheiro de um doador, uma instituição de caridade. Se eu acabar com o dinheiro
porque tudo foi de graça, foi uma distribuição gratuita. Vou precisar de mais
dinheiro para fazer a empresa funcionar. Se você fizer como um fundo de
caridade, o dinheiro vai, faz o trabalho, mas ele não retorna. Se fizer como um
negócio social, o dinheiro vai, faz o trabalho e ainda retorna. Então você pode
fazer mais de uma vez. Isso se torna um movimento contínuo, se reciclando, se
tornando confiável e sustentável. Essa é a beleza de um negócio social. Tudo o
que quisermos fazer com caridade, se nós o transformarmos em um negócio social,
ele se torna poderoso.
William Waack —
Quais são suas ideias para negócios sociais para o Brasil
Muhammad Yunus —
Qualquer problema que o Brasil tiver...
William Waack —
Temos muitos problemas particularmente no setor social.
Muhammad Yunus —
Todos os países têm muitos problemas. Os EUA têm muitos problemas. A Europa tem
muitos problemas. Isso não é novidade. O que estou querendo dizer é que para
cada problema você pode criar um negócio social. Por exemplo, hoje estávamos
discutindo a Bolsa Família.
William Waack —
Que é basicamente dar dinheiro.
Muhammad Yunus — E
é aceitável. As pessoas precisam de dinheiro, você tem que cuidar delas, então
é algo maravilhoso. A segunda parte do problema é como tirá-las dessa situação
para que elas não se tornem dependentes.
William Waack — Em
português, chamamos isso de porta de saída.
Muhammad Yunus —
Precisamos encontrar uma saída e podemos criar negócios sociais. Por exemplo,
um negócio social pode tirar cinco famílias que estavam na Bolsa Família para
fora do programa, criando empregos, atividades, empreendedorismo, não porque
quero ganhar dinheiro com isso. Quero ajudar essas cinco famílias a saírem
dessa situação, para que elas consigam ser autossuficientes, em vez de depender
da caridade do Estado e de outros. Esse é o tipo de negócio social que podemos projetar.
É algo básico. Existem muitas pessoas desempregadas no mundo todo.
Especialmente os jovens. Por que não criamos algo? Um empreendimento para
solucionar o problema dos desempregados? Podem-se criar empregos para cinco
pessoas com um negócio social, haverá menos cinco pessoas desempregadas.
William Waack —
Estamos discutindo a questão mais delicada da Bolsa Família. No mundo inteiro
ele é bem visto como um sistema para amenizar a miséria. Mas muitos críticos,
dentro e fora do Brasil, dizem que as pessoas estão se tornando dependentes
dessa “doação” do governo. Esse tipo de crítica é adequado?
Muhammad Yunus — A
Europa funciona com um sistema de bem-estar social. Se você não tem um emprego,
o governo te paga. Se não tem um salário, o governo te dá esse salário. Muitos
países tem um orçamento alocado para isso. Todo ano você escreve cheques para
todas as famílias porque eles não têm emprego. Hoje é assim na Europa inteira.
Consequentemente existe a primeira geração de desempregados e o governo cuida
deles, mas aí a segunda geração chega e nunca acha emprego.
William Waack — As
pessoas dizem no Brasil que estamos na terceira geração da Bolsa Família.
Muhammad Yunus —
Exatamente. É uma repetição. Não se sinta mal achando que o Brasil é o único.
Faz parte do mesmo sistema. Os EUA também têm um sistema de bem-estar social. É
o mesmo. A crítica também é justa. Trazer eles para o sistema é importante, mas
conseguir tirá-los do sistema também é. Por algum motivo não chegamos à segunda
parte dessa história. Ficamos na primeira parte. Temos que descobrir uma
alternativa de uma maneira criativa. É por isso que oferecemos essa ideia de
negócios sociais. Não tenho a solução imediata, mas criamos poder. Se
questionarmos todos os empreendimentos, isso vai acontecer. Para dar um
exemplo, estou vindo de Wiesbaden, na Alemanha, onde eles estão muito
interessados em negócios sociais. O prefeito de Wiesbaden, que é uma cidade
próxima de Frankfurt, Doutro Müller, anunciou que ele quer fazer de Wiesbaden a
cidade dos negócios sociais.
William Waack — É
uma cidade muito rica, com os melhores cassinos da Europa.
Muhammad Yunus — A
explicação dele foi tão penetrante. Quando estava contando para os jornalistas,
ele disse: “a minha cidade tem um orçamento de mais de um bilhão de euros por
ano”. E cada ano esse orçamento está crescendo porque os meus problemas estão
crescendo. Metade desse dinheiro, mais que meio bilhão de euros vai para
doações, só em pagamentos. Estou distribuindo dinheiro. Então essa ideia de
negocio social está me atraindo. Então essa ideia de negócio social está me
atraindo. Estou pedindo aos 3.652 negócios que estão nessa cidade — e são
empresas grandes — para que cada empresa crie um pequeno negócio social
paralelo para abordar um dos vários problemas que enfrentamos aqui. Desemprego,
velhice, imigração, crime, drogas, qualquer que seja o problema que esteja
interessado em resolver. Ajude-nos a tirar algumas pessoas desses problemas com
um negócio social. Se cada empresa fizer isso, o meu trabalho de distribuir dinheiro
vai acabar.
William Waack — O
senhor está entrando numa discussão fascinante. Lembro-me quando estava
cobrindo as eleições americanas e havia uma grande discussão política entre os
“dependentes” e os “independentes”. Aí que o senhor entra. O senhor está
tentando quebrar essa discussão com as pessoas que se tornaram dependentes da
ajuda do Estado, como o Estado de bem-estar na Europa, a Bolsa Família no
Brasil e programas sociais nos EUA e quer fazer o que os de direita, os
republicanos nos EUA chamam “independentes”.
Muhammad Yunus —
Essa é exatamente a questão. Não precisamos ir para o partido conservador, para
o liberal ou democrata.
William Waack —
Essa questão é bem delicada.
Muhammad Yunus — O
problema é claro: você não quer manter as pessoas, geração após geração numa
situação de desemprego. Isso é uma violação de direitos humanos. Um ser humano
nasceu para cuidar de si mesmo. Você cria um sistema em que ele fica preso na
condição do não trabalho. É como colocar um pássaro na gaiola. Você coloca o
pássaro na gaiola desde que ele nasce. Quando abrir a porta, ele não vai saber
voar. Nasceu-se numa família dependente do bem-estar social, se nunca vi um
emprego, se nunca vi um membro da minha família trabalhando. Tudo que fazemos é
comer e sobreviver. Isso não é a vida humana. A vida humana é sobre usar o seu
talento, seu poder criativo e potencial ilimitado para cuidar de si mesmo, sua
família e para contribuir com outros.
William Waack — O
senhor não teme que suas ideias sejam usadas em discussões políticas de
qualquer jeito? Eu me lembro do senhor contando das experiências negativas
quando tentou entrar para a política no seu país. Hoje a nossa discussão é
política. Na Europa, décadas de Estado de bem-estar social estão agora sendo
questionadas. Muitas pessoas na Europa diriam: “essa é a essência do
continente, o Estado de bem-estar social. Você quer mudar agora?” Nos EUA,
alguns partidos políticos vão pegar suas ideias e dizer “olhe, esse é alguém
que está apoiando o nosso ponto de vista, o governo Obama está criando pessoas
dependentes.” No Brasil também, temos um governo que diz que é nossa
responsabilidade dar dinheiro para as pessoas, para sobrevivência, para
comerem. Como você quer tirar isso da questão política?
Muhammad Yunus — Primeiro
não quero olhar para os problemas com as lentes dos partidos políticos ou das
filosofias políticas. Quero ver isso como um problema humano. Se tiver uma
dificuldade, não posso cuidar de mim mesmo, se algum desastre aconteceu, é bom
que a sociedade responda e ajude porque estou com dificuldades. Assim poderei
superar a minha dificuldade e voltar ao meu trabalho. Voltar ao trabalho é
importante para mim. Não estou dizendo que você de repente faz um corte. Não,
não faça isso. Mas crie oportunidades para eles, para que eles sejam
encorajados a sair. Não os empurre. Sou contra isso, porque você pode criar
muitos problemas políticos assim. Não é uma questão política. É uma questão de
como as pessoas desenham suas vidas. Precisamos dar opção às pessoas. Não estou
dizendo que tem que ser “depois de 12 meses eu vou cortar o Estado de bem-estar
social”. Não tem que ser assim, isso é cruel. Ajude as pessoas a participar
gradualmente. Mas, se as leis do Estado de bem-estar social são criadas de uma
maneira em que quando você entra, é muito difícil de sair, isso também é um
problema.
William Waack —
Vamos deixar a política de lado e ir para o que eu acho ainda mais difícil. Uma
das suas mais famosas frases é “todo mundo é um empreendedor, mas os sortudos
entendem isso”. O senhor ainda acredita nisso?
Muhammad Yunus —
Sim. Como seres humanos, somos todos empreendedores. Alguns de nós descobrimos
isso se tivermos sorte. A maioria das pessoas não tem essa sorte. Elas nunca
tiveram a chance de descobrir. Por exemplo, todas as pessoas que dependem do
Estado de bem-estar social não sabem o quão brilhantes podem ser. Cada um é
empreendedor, mas as opções não estão disponíveis. Eles não podem fazer coisas.
Ninguém faz um empréstimo porque você está no bem-estar social. “como eu posso
te fazer um empréstimo?” A lei do Estado de bem-estar social não deixa que você
faça um empréstimo, a lei previne. Por que não criar um sistema que você pode
pegar dinheiro emprestado e assim criar oportunidades? Por que não criamos um
negócio social para darmos essa oportunidade? Saia seja um empreendedor, nós
vamos investir no seu negócio e nós seremos seus parceiros. Então você não tem
que ter dinheiro. Estamos aqui para isso. Você faz e eu invisto na sua empresa.
Somos parceiros. Vamos fazer isso. Essa é a maneira de libertar as pessoas que
estão presas na situação de bem-estar social e perderam a coragem. Desde a
infância você tem que ensinar as pessoas que elas têm duas opções. Nas escolas
e nas faculdades temos que ensinar as duas opções. Você pode ser tornar um
empreendedor. Ou pode procurar trabalho ou pode criar empregos. A opção é sua,
seja qual for. Se quiser procurar trabalho, esse é o caminho que tem que
escolher. Quer-se fazer empregos, esse é o caminho. Existem instituições
disponíveis para ajudar a desenhar, financiar e tudo mais, te ajudar. A opção é
sua. Algumas pessoas dizem “por que não? Vou fazer empregos. Por que eu
escolheria passar pelo processo de seleção, esperar na fila, ir a entrevistas e
ficar frustrado com a falta de um emprego?” Essa é uma experiência muito
frustrante. “Por que não me tornar uma empreendedora então? Posso fazer
empregos também.” Hoje não ensinamos os nossos alunos isso. A única coisa que
dizemos é: consiga boas notas para que você consiga um bom emprego na melhor
empresa, como se fosse o objetivo da vida, isso não é verdade. O nosso fim é
atingir o nosso objetivo. Esquecemos qual é objetivo como seres humanos. “Por
que estou aqui? A minha vida é conseguir um emprego, ganhar um salário, cuidar
da minha família e depois morrer? Desaparecer?” Não, somos muito maiores que
isso. Isso foi retirado de todas as nossas conversas, dos nossos programas de
treinamento, da nossa educação. Em escolas ensinamos matemática, ciências,
história, tudo, mas não ensinamos qual é o propósito da vida. Essa é a questão
fundamental.
William Waack — A minha última pergunta é
pessoal. Como o senhor se descreveria? Como um visionário ou alguém prático com
grande senso para resolver problemas?
Muhammad Yunus —
Não sei. Decida você o que sou. Mas sem visão nenhum ser humano consegue dar um
passo. Continuo repetindo isso. As pessoas sempre sonharam em ir para a Lua há
centenas de anos. Eles escreveram centenas de histórias de como chegar até a
Lua. Criaram a ficção científica. Deram todos os elementos da ciência, como
fazer isso ou aquilo. Você tem filmes de ficção científica, Star Trek, ir até
outra galáxia. Quando você começa a imaginar as coisas em ficção científica, a
ciência segue o nosso imaginário. A ciência nos levou até a Lua. Até Marte.
Está falando agora em ir a outras galáxias. Mas, infelizmente, não temos ficção
social. Não imaginamos como a comunidade humana pode ser. Não escrevemos sobre
esse assunto. Não temos uma série de TV sobre ficção social. Talvez, se
tivéssemos, nós conseguiríamos conquistar. Mas, como não temos, não
conseguimos. Imaginação é o que faz de nós, seres humanos, seres humanos. Vai
muito além de nós. E por que não seguir? Sempre nos perguntamos “por que não?
Por que não fazemos isso?” É isso que devemos fazer. Imaginação é importante
para todas as crianças. Imaginação é importante para todas as comunidades, para
todos os países. Como uma comunidade humana, deveríamos estar imaginando como a
comunidade humana pode ser. Por que temos que ter desemprego? Por que não podemos
pensar em uma sociedade onde não há uma única pessoa desempregada? Essas
questões têm que ser respondidas.
Entrevista concedida pelo
economista e banqueiro bengali, Muhammad Yunus ao jornalista William Waack,
para o programa Milênio, do Globo News. O Milênio é um programa de entrevistas,
que vai ao ar pelo canal de televisão por assinatura Globo News às 23h30 de
segunda-feira, com repetições às 3h30, 11h30 e 17h30.
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